Sobre Cuidar de Uma Ave Deficiente
Portugal, Quarta, 01 de Agosto de 2018.
Patrícia Susana Caldas
“Boas tardes!
Apresento-vos a Clotilde (Ring Neck) e o Tobias Gaspar (caturra). E o periquito, Lucky
A Clotilde tem uma deficiência nas patas, ela apoia-se no equivalente aos nossos cotovelos.
Chegou aqui a casa há pouco mais de um mês, irá fazer 5 meses em breve.
Ela necessita de mais cuidados que o restante, por exemplo, como não consegue empoleirar em sítios (locais) estreitos, tive que arranjar tabuas para colocar na gaiola dela. Como se apoia nos “cotovelos” em vez das patinhas, esta parte fica mais fragilizada, podendo originar feridas nesta parte da pele, então tenho a gaiola e os sítios preferidos dela forrados com toalhas, para ser mais macio o piso, e assim não fazer feridas nela. E tem sempre que ser vigiada, a deficiência não limita as travessuras.
Sobre o trabalho com ela todos os dias tenho toalhas para lavar eheheh, mas faz parte do pacote que vem junto com muito amor!
Apesar das limitações, Clotilde desenrasca-se muito bem, adora picar o periquito ( que tenho que ter o cuidado de nunca os deixar os dois sozinhos, apesar da Clotilde não ser agressiva, como tem um bico maior, pode magoar o Lucky) .
Quando se tem uma ave assim, precisamos adaptar algumas coisas, a gaiola dela não é uma gaiola de pássaro, mas sim de coelho, ganha mais espaço para poder colocar as plataformas.
À noite ela tem que levar miminho meu antes de dormir, tenho que lhe dar colo, senão faz uma enorme fita e não dorme enquanto não levar esse colinho .”
Nota do Diário: Na natureza aves doentes ou com defeitos são descartadas do bando para morrer, este comportamento pode ocorrer dentro do bando em cativeiro, cabe o tutor trabalhar a interação e integração dele ao bando, mesmo assim a supervisão deverá ser constante, são como crianças e as vezes sem noção da força podem acabar machucando seriamente a ave deficiente.
Deficiências físicas podem ser originadas por diversos fatores, no caso da Clotilde, ela foi um filhote criado pelos pais, não manipulada pelo criador, acredita-se que tenha sido pisada pelos pais ou irmãos, quando a deficiência foi notada já estava calcificado dessa forma. Filhotes de aves podem nascer com defeitos físicos congênitos ou outros casos como: Erro no manejo humano, problemas de ordem nutricional, pais inexperientes que acabam machucando ou mutilando os filhotes. Outra causa bem mais comum e podemos até dizer, corriqueiro, são os acidentes, tanto na vida em bando em contato com aves maiores, como os acidentes com brinquedos, objetos diversos como cordas, correntes, objetos pesados, acidentes durante voos em locais fechados e com muitos obstáculos como o interior das residências.
Fraturas causadas por pisões, esmagamento, manuseio brusco, crianças e outros animais como cachorro e gato.
Alguns tipos de acidentes podem causar traumatismo craniano, como é um trauma que pode afetar o sistema nervoso central as consequências podem ser graves como lesões permanentes que paralisam membros ou causam outros danos neurológicos.
Entre as deficiências físicas, não podemos deixar de citar a cegueira, que pode ser ocasionada por traumas como pancadas e perfurações, deficiência nutricional, metabólica ou infecções.
Uma deficiência que merece destaque é a causada por perda parcial ou quase total do bico. Aparentemente não é uma deficiência tão limitante, porém, é só aparentemente, dependendo do caso, com dificuldade de quebrar e/ou muitas vezes pinçar e engolir os alimentos, esse tipo de deficiência afeta diretamente na nutrição da ave comprometendo a vida. Com a tecnologia já é possível a confecção de prótese 3D parcial ou total do bico, cada caso precisa ser avaliado por um especialista. O bico é uma ferramenta muito importante para uma ave, ele é multifuncional: Serve para pinçar os alimentos, quebrar, é usado para comunicação (avisos através das bicadas), serve como ferramenta de ataque e defesa e também como um terceiro pé auxiliando nas escaladas.
Não vamos nos estender demais, vou tentar listar pontos que considero importantes para essa nova etapa nos casos de aves que sofreram acidentes ou adoeceram e ficaram incapacitadas ou para os tutores que optaram por adotar uma ave deficiente:
1.Não trate a ave como coitadinha, não entre em processo de piedade, não impute a situação uma dor psicológica que muitas vezes não existe, se você se permitir olhar com coragem e determinado a seguir junto com ela, vai se dar conta da imensa capacidade de adaptação que elas têm. Além disso, quanto as deformidades, elas não têm os preconceitos, problemas com a imagem que os humanos costumam ter, se as respeitarmos e olharmos com amor ela se sentirá tão completa como qualquer outra ave.
2.Talvez seja a dica mais importante, trabalhe com essa ave alinhado com um médico veterinário especialista em animais silvestres e exóticos. Ele é a pessoa mais indicada para realizar uma avaliação da ave e do bom funcionamento do organismo em geral. Alguns tipos de paralisia podem comprometer o funcionamento correto de alguns órgãos, causar dores, lesões na pele e atrofia muscular, então, dependendo do caso o médico pode indicar terapias complementares como: Massagens, fisioterapia, laser terapia, acupuntura entre outros….
3.Vai ser necessário adaptações, o médico também vai ser importante nessa etapa, orientando e dando dicas de cuidados, lembre-se, cada caso é um caso, devemos priorizar a segurança e conforto, mas também dar ferramentas para que a ave tenha algum grau de autonomia, para ficar mais claro, uma ave que enxergou por anos e por algum acidente ou doença perde a visão, ela facilmente se localiza e sabe onde encontrar cada coisa em seu viveiro se adaptando rapidamente a nova condição, já uma ave que nasceu cega precisara aprender a como viver no mundo novo, tutor e ave devem trabalhar para criar esse mundo.
4.Inicialmente a observação constante é uma ferramenta valiosa, através da observação da movimentação da ave e de suas necessidades buscamos soluções para adaptarmos seu viveiro e demais locais que a ave tenha acesso onde vive.
- Para exemplificar, o tamanho do viveiro deve ser estudado, altura dos poleiros, dependendo do caso, todos são tirados e substituídos por plataformas baixas e planas para que a ave possa deitar.
6.Novamente batemos na tecla sobre a autonomia e a importância de exercícios, o físico de todo ser vivo é uma máquina, que sem uso ou com pouco movimento acaba “enferrujando” e apresentando defeito. Converse com o médico veterinário, a ave estando bem de saúde e visto o aspecto de segurança dela deve-se pensar em quais atividades e brincadeiras ela pode participar.
7.. Em alguns casos a ave precisa ficar em locais planos e baixo como no caso de Clotilde, isso exige uma troca constante das toalhas, que servem para amaciar o local e também proteger da frieza do contato direto com o chão ou fundo da gaiola, sem barreiras para o contato direto com as fezes é necessário muitas trocas ao dia, ou seja, no fim do dia tem muitos panos para lavar.
8. Lembre-se que no caso de aves com deficiências de locomoção e cegueira deve-se verificar a questão de outros animais ou predadores no ambiente, se já é difícil e perigoso para uma ave que voa e anda, imagina quem está indefeso, mantenha ela livre, promova a independência, mas não relaxe na supervisão.
O corpo físico, muitas vezes defeituoso é apenas uma caixa que guarda uma alma perfeita, os bichos sabem disso!